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INTRODUÇÃO:

Num final de semana de julho de 2004, chegaram às bancas e assinantes os exemplares de três revistas semanais de circulação nacional, todas elas com matérias de capa tratando de temas relacionados à saúde e estética corporal. Isso não é novidade em vista da profusão de títulos altamente sugestivos disponíveis nas bancas: Boa Forma, Saúde Total, Corpo a Corpo, etc. O que chama a atenção aqui, além da incrível coincidência de ser assunto de capa na mesma semana, é que se tratavam das principais revistas semanais brasileiras: VEJA, ISTO É e ÉPOCA. Com uma tiragem média somada superior a um milhão de exemplares, mais que meros veículos de informações, as revistas semanais têm se tornado atores importantes do debate público nacional. Por meio delas, a cidadania brasileira pode aprofundar as principais noticias da semana veiculadas nos telejornais, especialmente nas editorias de política e economia. De nossa parte, como pesquisadores da mídia relacionada a temas da Educação Física, Esporte e Lazer, interessa observar como o assunto foi tematizado no discurso midiático das revistas, reconhecendo que, ao abordar um tema qualquer, a mídia coloca-o na pauta cotidiana da classe média, fazendo com que os formadores de opinião passem a repercutir e emitir opinião a esse respeito. E que esse processo de agendamento pelos meios de comunicação de massa termina chegando, demo-nos conta disso ou não, aos âmbitos de intervenção profissional da Educação Física.

METODOLOGIA:

Inicialmente, as matérias das três revistas foram lidas no seu conjunto, visando identificar em cada uma a temática-foco, objetivos, argumentos e considerações gerais, procedendo-se uma sinopse de cada matéria, para destacar os principais elementos temáticos e argumentativos. A seguir foram destacadas as fotografias de capa e internas (com respectivas legendas) e finalmente as chamadas de capa. Para a interpretação textual, foram utilizadas estratégias de análise de conteúdo; a diagramação dos textos, associados às fotografias e outros recursos gráficos utilizados, foram interpretados a partir de uma análise semiótica, também aplicada às fotos e chamadas de capa. Os exemplares e matérias analisadas foram: 1) VEJA, n. 1862, data de capa 14/jul/2004 A matéria tem como título "Mudança Radical", pertinente com a chamada da capa, "O Milagre da Transformação". O texto se compõe de 10 páginas, com fotos em sete delas. 2) ISTO É, n.1815, data de capa 21/jul/2004. Tem como chamadas de capa "Dieta para manter a linha no inverno: como evitar as armadilhas dessa época do ano; os truques para cortar calorias sem comprometer os prazeres da mesa; estratégias para não abandonar os exercícios". A matéria recebe o título "Muita calma neste inverno, sendo composta de seis páginas, com fotos em todas elas. 3) ÉPOCA, n. 322, data de capa 19/julho/2004. Com o título "Síndrome da Barriga" e três chamadas na capa, a matéria contém seis páginas de textos, fotos e quadros explicativos.

RESULTADOS:

A preocupação pública com questões corporais, na perspectiva da saúde, tem gerado programas e campanhas na mídia. Vários discursos se entrelaçam no discurso midiático sobre saúde, produzindo representações sociais complexas, à estrutura de classes ou vieses religiosos, que levam a diferenciadas maneiras de compreender e lidar com a doença. Predomina, contudo, o discurso médico-científico, que exige do jornalista uma espécie de subdiscurso, simplificado, quase simplista, pouco rigoroso. Falas de especialistas são utilizadas apenas para dar verniz científico às matérias. Outra característica comum é que o eixo condutor das narrativas expressa certa ambigüidade entre saúde e estética, mediada pela lógica da subjetividade: a estética pode ser melhorada com a cirurgia plástica e/ou a atividade física e isso leva à satisfação pessoal, o que contribui para a saúde do paciente, numa temerosa tentativa de estabelecer relação linear entre estética e saúde. Mesmo estas revistas não escapam do apelo barato e mal disfarçado à sensualidade e ao erotismo nas fotos, que se expressam pelas roupas sumárias com que são revelados os novos contornos corporais, e são aparentemente justificados pela necessidade de serem mostrados os resultados dos tratamentos e cuidados sugeridos. A exposição de corpos bonitos, principalmente femininos, parece ser o atestado de pessoas saudáveis e a passagem para a felicidade.

CONCLUSÕES:

O discurso sobre corpo, saúde e estética perpassa o cotidiano da Educação Física. O discurso profissional embaralha conceitos médico-científicos com o discurso midiático, o que faz com que saúde e estética corporais apareçam como sinônimos. As academias de ginástica se utilizam desta ambiguidade para vender seus serviços, num apelo duplo ao saudável e ao belo. Junto com preocupações referentes à saúde, como a medição da massa corporal e da freqüência cardíaca dos alunos, a profusão de espelhos nas paredes serve para o permanente (auto)controle sobre as formas corporais. No âmbito escolar, a presença destes discursos também é percebida. Cada vez mais cedo, adolescentes se submetem a intervenções sobre o corpo. A cultura da "malhação", presente no discurso midiático, faz com que a disciplina Educação Física seja tomada como uma sucursal das academias. Na perspectiva de configurar este componente curricular como uma formação cultural emancipatória, compete ao professor de Educação Física, aproveitando o interesse pelo assunto, tratá-lo pedagogicamente, como um conhecimento a ser pensando, refletido e reconstruído, visando o esclarecimento e a autonomia dos alunos em relação a seu corpo e sua saúde. Isto é possível se a Educação Física escolar adotar os princípios da educação para a mídia, como, por exemplo, tematizar o discurso midiático sobre este e outros assuntos que povoam o imaginário social juvenil.