Integra

As classes dominantes do Brasil sempre almejaram a distinção pela cultura. Em dado momento tornou-se um cartão de visitas das elites, um jeito de mostrar que não estavam apenas acima no bolso, mas também no espírito. No Império, Dom Pedro II desfilava como um verdadeiro mecenas. Patrocinava escritores, músicos e cientistas, pagava do próprio bolso a ida do Brasil às exposições universais e se fazia presença constante no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Como lembra a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, em As Barbas do Imperador, aquele mecenato real transformou o romantismo em projeto oficial.

No século XIX e boa parte do XX, formar bacharéis, engenheiros, médicos, arquitetos, professores, músicos, padres e militares era parte do script da elite. Criaram universidades, museus, teatros, jardins botânicos. Tudo muito à francesa, imitando a burguesia europeia como quem copia as receitas de Paris sem nunca alcançar o tempero. Ainda assim, havia um projeto, havia a preocupação de dar à dominação um verniz cultural.

Mas os tempos mudaram. Só que não para melhor. Hoje, o que vemos é uma decadência grotesca. As classes dominantes, que deveriam ser mecenas das artes, tornaram-se inimigas da cultura. Um símbolo disso são os ataques sistemáticos à Lei Rouanet. Transformaram uma política de fomento em caricatura grotesca, reduzida a memes sobre artistas milionários, quando na verdade era a engrenagem que permitia que grupos de teatro, companhias de dança, orquestras e pequenos projetos culturais sobrevivessem. Demonizaram a lei como se cultura fosse “mamata”, e em nome dessa guerra ideológica, deixaram um rastro de salas de espetáculo fechadas, artistas desempregados e projetos inviabilizados.

Os ataques às universidades, o desmonte financeiro de museus e institutos de pesquisa, e a privatização da vida cultural reforçam essa marcha da insensatez. O que já foi símbolo de distinção agora é tratado como inimigo a ser abatido. Não há mais verniz, nem pose. Parece restar apenas a pobreza simbólica de uma elite que se orgulha de sua própria ignorância.

E assim seguimos, com classes dominantes que já não têm nem o álibi da cultura. Restou-lhes apenas o poder nu e cru, sustentado pelo desprezo àquilo que poderia elevar o espírito humano.

Professor Alexandre Machado Rosa