Resumo

As questões das diferenças vêm se tornando uma importante pauta de debate na agenda de eventos, congressos, produções acadêmicas, políticas públicas e, especialmente, materializadas no cotidiano escolar. Embora tais questões assumam este lugar de destaque, é frequente que professores e professoras expressem dificuldades em lidar com as diferenças culturais de gênero, raça, orientação sexual, classe, religião, local de moradia, deficiência, entre outras, assim como, romper com aulas de Educação Física focalizadas em uma dimensão biológica do corpo (Neira; Nunes, 2006. 2009). Neste sentido, o presente estudo, inspirado na metodologia da autoetnografia (Santos, 2017), teve como objetivo problematizar as percepções de estudantes na formação inicial em uma universidade pública do Rio de Janeiro a partir da experiência vivida na disciplina Didática da Educação Física. Como recorte para o presente estudo, optamos por destacar e problematizar os dados produzidos a partir da escrita do diário de bordo pelos/as estudantes, como instrumento avaliativo. Para Candau (2023) a temática das diferenças esteve presente no debate educacional, particularmente a partir do século XX, predominando a perspectiva da psicologia que priorizava, por exemplo, a diversificação dos processos ensino-aprendizagem a partir das especificidades dos sujeitos, reconhecendo os diversos modos e ritmos de aprendizagem, distintas personalidades e habilidades cognitivas. Somente a partir das reivindicações dos movimentos sociais e suas lutas, nos anos de 1990, houve a exigência de uma educação mais plural que questionasse preconceitos e discriminações e fosse coerente com a construção de uma sociedade democrática, igualitária e inclusiva. No campo da Educação Física, Oliveira e Daolio (2011) ressaltam que a ideia da diferença se relacionava muito mais às diferenças biológicas entre meninos e meninas, explicadas pela ação de hormônios, por exemplo. Os autores citados acrescentam que, ao entrar em cena a discussão da cultura no campo da Educação Física, especialmente nos anos de 1990, não houve mais como negar a existência das diferenças. Logo, reconhecemos a potente relação entre a Didática e as perspectivas intercultural crítica e Decolonialidade, tanto para a educação de uma forma geral, quanto para o ensino da Educação Física na escola. Dentro deste contexto, assumimos a perspectiva da Didática Crítica Intercultural (Candau, 2023) como fundamentação para o presente estudo, no intuito de adotar uma dimensão que parte da necessidade de diferentes grupos culturais que sofreram (e sofrem) um histórico processo de subalternização e inferiorização. A análise dos dados produzidos revela que os/as estudantes manifestaram sensibilidade para as questões discutidas, destacando em seus registros preocupações com uma aula mais humanizada que valorize e reconheça as diferenças, a importância da descolonização do currículo da Educação Física em função de práticas plurais e inclusivas que reconheçam diferentes conhecimentos e saberes, o entendimento das diferenças como riqueza pedagógica, a desconstrução de uma masculinidade tóxica/hegemônica e a importância das aulas na perspectiva coeducativa nesse processo, a necessidade e urgência da construção de práticas antirracistas que questionem e combatam o racismo e, por fim, a compreensão da inclusão em uma dimensão ampla que abarque diversos marcadores da diferença: deficiência, classe, raça, gênero, sexualidade, religiosidade entre outros.