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Em 12 de setembro de 2012, quando treinava uma equipe em Uberlândia (MG), Luiz Alberto de Oliveira me concedeu esta entrevista. A partir daí, trocávamos mensagens com frequência, até a sua ida para o Qatar. As mensagens são, agora, relíquias e ensinamentos valiosos de quem não teve o reconhecimento merecido pelas autoridades brasileiras do esporte. O Brasil de tantas perdas por desmandos políticos fica órfão, também, de um Mestre do Atletismo.

José Cruz – Diante do resultado do atletismo nos Jogos de Londres (2012) e do pouco tempo para a Olimpíada do Rio, quais as sugestões para termos uma equipe mais competitiva em 2016?
 

Luiz Alberto – Não se faz um trabalho tão rápido assim. Os Jogos de 2016 estão aí. Temos alguns bons atletas em condições de melhorar os resultados e competir para chegarem a uma final. Temos alguns talentos jovens, último ano de juvenis. O trabalho tem que ser muito concentrado e com muita determinação. O Joaquim e o Zequinha Barbosa, de 1981 a 1984, foram muito bem nos Jogos Olímpicos de Los Angeles (1984). Agberto Guimarães já tinha alguma experiência e tempo de treinamento. Mas o que funcionou e muito foi o comprometimento desses atletas, desde que chegaram nos Estados Unidos, onde treinaram.
 

José Cruz – Vocês (Luiz Alberto, Joaquim Cruz, Zequinha Barbosa e Agberto Guimarães) foram para os EUA com que apoio?
 

Luiz Alberto – Fomos graças ao apoio de Victor Malzoni, um empresário dedicado ao atletismo. Ele patrocinava o Zequinha e o Agberto e, logo depois, o Juca (Joaquim Cruz). Tivemos condições de trabalhar com seriedade. Eles treinavam e estudavam, diferente do Brasil, onde não é fácil fazer campeões devido à falta de comprometimento da maioria dos nossos atletas.
 

José Cruz –  Fale mais, por favor, sobre este assunto “comprometimento de atletas”.

Luiz Alberto – Precisamos mais da dedicação dos atletas, dos treinadores. Precisamos de garra, perseverança, motivação. E, o mais importante, comprometimento. Isto é, abdicar de prazeres da vida em prol de uma conquista. Quando se aposentarem, os atletas terão todo o tempo para curtir a vida com coisas que não se pode misturar agora, na época em que estamos preparando para uma grande conquista.
 

José Cruz – Atualmente, como se realiza o seu trabalho?
 

Luiz Alberto – Trabalho com alguns atletas no Centro de Treinamento de Uberlândia. Temos bons treinadores, o que é muito importante. Com dificuldades e persistência conseguimos um diferencial no nosso trabalho. Se não temos condições de treinar no exterior, procuramos compensar com uma programação aqui mesmo. Mas temos que ter mais campings lá fora. Temos que concentrar mais os atletas para que eles entendam que o trabalho é em prol de um resultado que se busca em curto prazo.
 

José Cruz – Pela sua experiência de técnico no Brasil e no exterior, qual o caminho que deveremos seguir para que a modalidade se desenvolva a longo prazo? A escola é importante nesse processo?
 

Luiz Alberto – Não se tem dúvidas que, se não desenvolvermos o atletismo nas escolas bem como os esportes menos favoráveis, não iremos a lugar algum. Atualmente, as escolas oferecem o vôlei, assim mesmo as que têm um ginásio, o que é muito pouco. O futebol de salão também é oferecido, mas como válvula de escape para o professor que não quer trabalhar muito.

José Cruz – Mas são muitas as dificuldades para os professores de educação física, não?
 

Luiz Alberto - Sim, a começar pela falta de espaço físico nas escolas.
Não se tem material necessário para a prática de atletismo. As aulas de educação física são somente para cumprir currículo. Os salários dos nossos professores é uma vergonha. Em decorrência vem a enrolação de muitos professores que estão insatisfeitos com esta situação. Também observo que a indisciplina dos nossos alunos é tolerada ao extremo. O aluno manda na escola, nos diretores, nos professores e nada acontece.
 

José Cruz – Você parece desanimado com esta situação
 

Luiz Alberto - Na verdade, deixaram de lado o esporte na escola, já há algum tempo. Os Jogos Escolares são mais para atletas que já fazem atletismo, istoé, os que já participam de campeonatos de uma federação de atletismo, atletas de clubes. Não temos competições sistemáticas nos estados. O Brasil precisa de pistas nas escolas, nas universidades.
 

José Cruz - Isso é um desabafo?
 

Luiz Alberto – Sim. Repare, as universidades precisam criar uma
competição universitária forte, séria. Participamos dos Jogos Mundiais Universitários com atleta que nem é mais estudante.
 

José Cruz - Na sua avaliação, o Brasil deve escolher uma escola de atletismo, ou os Estados Unidos, Cuba, Inglaterra ou Jamaica, por exemplo? Ou deve ter a sua própria escola, de acordo com as características e diversidade regional deste imenso país.
 

Luiz Alberto – Temos que ter a nossa própria escola. Criar um sistema de competição escolar em cada estado da federação. Dividir em regiões, caso o estado seja grande demais. Precisamos fazer competições todos os finais de semana e exigir que os professores – desde que tenham condições, claro – participem com suas escolas nesses eventos. Esse calendário deve prever um campeonato estadual no final da temporada e um campeonato nacional com as
escolas campeãs nos estados ou com os melhores atletas selecionados por índices pré-fixados.
 

José Cruz – Algo como já ocorre nos Estados Unidos, por exemplo?
 

Luiz Alberto – Sim, mas com adaptações à realidade brasileira para
ter gente suficiente participando e, assim, descobrirmos talentos na quantidade. Só assim poderemos nos tornar um país esportivo e altamente competitivo, com crianças que irão entender a necessidade de se envolverem com o esporte. Temos que usar nossos ídolos de forma que os jovens possam neles se espelhar. Temos que ter atletas sérios e dedicados, responsáveis com suas carreiras.
 

José Cruz – Resumindo: o ponto de partida é mesmo a escola?
 

Luiz Alberto - Claro, a escola tem que estar envolvida. O governo tem que gastar dinheiro em programas que comecem na escola e não ficar dando dinheiro para programas que não têm o mínimo de controle e que não mostram evolução.
 

José Cruz – Outros países são exemplares nessa proposta...
 

Luiz Alberto – Sim, a Jamaica aplica esse sistema que é o sistema
norte-americano. Eles fazem com o atletismo o que nós, brasileiros,
fazemos com o futebol: massificação. Kênia, Ethiopia e outros países africanos fazem a mesma coisa no atletismo.
 

José Cruz – O sacrifício é grande para se formar um atleta olímpico?
 

Luiz Alberto – O atletismo é um dos esportes mais sacrificantes que existe. Treinar para competir em alto nível é sofrer para transpor barreiras. É aprender a sentir a dor. Mas é assim que se chega a uma medalha olímpica. A Jamaica faz este trabalho há muitos anos. Não foi ontem que começaram. Antes, quase todos os jamaicanos iam para os Estados Unidos com bolsas de estudos e lá faziam
todo o trabalho de atleta. Agora, eles já têm um programa melhor para manter seus atletas no próprio país. Têm treinadores que já foram atletas e que estudaram e competiram nos Estados Unidos com bons treinadores. Criaram a própria escola. Mas não foi em quatro anos que conseguiram isso.
 

José Cruz – O Brasil pode formar bons velocistas?

Luiz Alberto – Não é fácil ter muitos velocistas. O Brasil tem muitos
atletas que fazem velocidade, mas não temos grande número de gente que possa subir no pódio individualmente. Estamos nos preocupando com revezamentos e esquecendo de nos dedicar o necessário para termos finalistas individualmente nos 100m e nos 200m. O nosso 400m anda bem pior. Tira-se pelas entrevistas
de nossos atletas em olimpíadas e campeonatos mundiais. Depois de
ficarmos fora das semifinais e finais, falamos que “ainda tem o revezamento...” Observe que o Zequinha Barbosa, com medalhas de ouro e prata indoor, prata e bronze outdoor, medalhas pan-americanas, enfim, correu 44 vezes abaixo do 1min45s... Ou seja, Zequinha corre, 1min44s. O seu melhor resultado foi 1min43s04. Mesmo assim ele não tem vez em programa algum no Brasil.
 

José Cruz – Por que não se repetiu um Zequinha ou um Joaquim Cruz?
 

Luiz Alberto – O intercâmbio com os Estados Unidos foi interrompido
porque houve um complô que não permitiam que eu levasse mais atletas para lá. Fiquei fora do Brasil por muito tempo. Até agora, ninguém conseguiu ter finalistas nos 800 metros ou bons competidores nos 1.500 metros. Quase todos os nossos possíveis talentos na pista, no meio fundo e fundo, vão para as corridas de rua, atraídos pela facilidade de ganhar algum dinheiro.
 

José Cruz – Ao contrário dos anos 1980, quando Você era treinador no Brasil, o atletismo da última década teve mais recursos financeiros. Isso é importante, é decisivo para evolução da modalidade?
 

Luiz Alberto –  O apoio é necessário. Principalmente em um país caro como o nosso. Estes atletas pobres que temos no nosso esporte têm que ajudar as suas famílias. Muitos pais querem saber o que os filhos estão ganhando fazendo esporte em vez de estarem trabalhando.
 

José Cruz – Mas este apoio (Bolsa Atleta, patrocínios, Lei de Incentivo) que o governo federal oferece existe em outros países?
 

Luiz Alberto – Nos Estados Unidos, Kênia, Jamaica e Ethiopia e muitos outros não há o apoio que temos aqui. E os grandes atletas continuam aparecendo nesses países ou até outros menores, na África e Ásia. Tudo isso, tenham certeza, pois falo com experiência própria, vivendo e convivendo com atletas, com quatros de camping na África, no Kenya e Ethyopia. Pude ver o sacrifício que fazem, mas tudo com a maior felicidade e esperança de que um dia serão grandes, serão destaques internacionais. Fazem treinos descalços. Fui a uma competição no Kênia, em Eldoret, onde presenciei o enorme número de participantes competindo sem calçado. As sapatilhas ou tênis que ganham ou são usados de outros atletas bem sucedidos ou presentes de irmãos ou familiares que já estão no atletismo internacional.
 

José Cruz – No Brasil é o contrário, pois o apoio surgiu nos últimos 10 anos e se mantém até hoje.
 

Luiz Alberto – No Brasil, nossos atletas estão tendo muita ajuda. Sõ que sem estrutura esportiva. E qual o comprometimento desses atletas? Temos um Ministério do Esporte dando Bolsa incontrolavelmente, sem verdadeiras verificações para onde este dinheiro está indo. Algumas federações dão ajuda, às vezes de acordo com um critério fraco, e a CBAt tem feito o quê? Concorda. O dinheiro do esporte no Brasil é decisivo para o desenvolvimento da modalidade. Nas construções de praças esportivas, criação de programas idôneos, trazendo grandes treinadores e oferecendo condições para que trabalhem com a colaboração dos nossos treinadores também. Sem ciúmes ou inveja e sem querer ser o “dono” do atleta. Sem este controle clubístico. Clubes que têm a força do dinheiro e que podem comprar jovens talentos, mas que não permitem que esses talentos treinem com outros técnicos, a não ser do próprio clube. Essa falta de intercâmbio é prejudicial para todos.

AS CONQUISTAS DO TÉCNICO

07 Participações em Jogos Olímpicos (2 medalhas)

11 Participações em Campeonatos Mundiais (07 medalhas)

08 Participações em Campeonatos Mundiais Indoor (06 medalhas)

11 Participações em Jogos Pan-Americanos (19 medalhas)

03 Participações em Copas do Mundo (3 medalhas)

03 Participações em Campeonatos Mundiais de Juvenis (4 medalhas)