Resumo

O  governo estadual de São Paulo instituiu, em 2019, o Currículo Paulista, alinhando-se à política de implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A pesquisa questiona de que maneira essa aproximação se efetiva, ao identificar os discursos pedagógicos dispersos e em disputa nesse currículo. Entendemos que não existem princípios e regras curriculares isentos de um jogo político educacional; portanto, não se trata de uma produção neutra ou desprovida de negociações e interesses múltiplos. A construção de um programa curricular comum é um espaço de disputa, com a intenção de defender e legitimar determinados discursos educacionais. Nesse sentido, o currículo é compreendido como uma prática discursiva associada aos modos de regulação do que pode ser dito e do que é interditado, pois nem tudo é passível de ser dito. Assim, não há uma única resposta para sua definição, mas sim estratégias que buscam garantir a predominância de uma "verdade" curricular e uma preocupação com a construção do sujeito estudante. Para entender as políticas educacionais e curriculares, a pesquisa se apoia em Stephen Ball e colaboradores, que explicam os três contextos do ciclo de políticas: o contexto de influência, o contexto da produção de textos e o contexto da prática. O Currículo Paulista distribuiu materiais de apoio com o intuito de promover seu desenvolvimento e efetivação. A pesquisa concentrou-se na análise discursiva dos discursos pedagógicos presentes no documento básico e nos Cadernos do Professor do Ensino Fundamental. Para a análise dessa produção, adotamos uma postura pós-estruturalista ao usarmos algumas das ferramentas analíticas e metodológicas produzidas por Michel Foucault, como formação discursiva e governamentalidade. O objetivo foi analisar os modos de produção e circulação dos discursos presentes no texto curricular, com ênfase na regulação de certos discursos acadêmicos dentro do texto político. Investigamos os contextos discursivos da política educacional presentes no Currículo Paulista, identificando, no texto, os discursos das redes de governança e a influência de agendas internacionais e nacionais. Isso aponta para o interesse pela educação não apenas de governos e agentes governamentais do setor público, mas também de organismos internacionais, transnacionais e organizações não governamentais, que buscam influenciar o campo educacional com foco no mercado, na privatização e na legitimação de discursos neoliberais. A análise da disciplina de Educação Física no Currículo Paulista permitiu mapear um texto híbrido que reflete a forma como essa área se constituiu nos últimos anos, dentro do contexto histórico de democratização do país, o que possibilitou a criação, circulação e disputa pela hegemonia curricular na área. Identificamos, assim, a presença do discurso da Educação Física no campo das Linguagens, considerando os discursos pedagógicos da Educação Física que abarcam as humanidades, as ciências biológicas e as teorias psíquicas, além do discurso jurídico relacionado ao direito à inclusão. Essas disputas discursivas que permeiam o documento, embora com a intenção de se expandirem, acabam por se dispersar, se cruzar, se excluir, produzir hibridismos e descontinuidades.