O barro, a imagem e a ilusão do saber
Integra
As redes sociais inauguraram uma era de diálogos absurdos e surdos sobre a realidade. Fala-se muito, registra-se tudo, mas compreende-se pouco. O conhecimento, que deveria ser um processo relacional com o mundo, mediado pela escuta, pela experiência e pela dúvida, converteu-se em produto de consumo rápido de imagens e opiniões, a sociedade do espetáculo, descrita por Guy Debord se realiza a passos largos. Tal como advertia Sócrates, seguimos nomeando as coisas sem jamais interrogarmos sua natureza e, nesse movimento, confundimos o brilho da imagem com a função social do saber.
Eu me recordo que, no início dos anos 1990, houve um acelerado desenvolvimento das tecnologias digitais. Um dos setores que sentiu fortemente os impactos desse avanço foi a fotografia. A Kodak, até então a maior fabricante de filmes de 35 milímetros, não resistiu à virada tecnológica e acabou desaparecendo. À época, propagava-se com entusiasmo o argumento de que a fotografia havia se democratizado e que, doravante, todos se tornariam fotógrafos. Mas o que, de fato, as pessoas entendem de fotografia para além da imagem que imediatamente se lhes apresenta? Hoje, todos sacam seus smartphones diante da tragédia para que o registro fotográfico não se perca, mesmo que isso ocorra à custa da própria tragédia ali acontecendo.
Retomando um tema que acompanha e perturba a humanidade ao longo dos processos que podemos chamar de “civilizadores”, emerge a tentativa recorrente de definir o que é o conhecimento. A epistemologia, lembremos, é filosofia. A pergunta permanece incômoda: como pode um médico ser mais sábio do que um paciente sobre a saúde deste último? Para explorar esse dilema, vale retomar um diálogo clássico entre Sócrates e Teeteto.
Sócrates propõe um exemplo aparentemente trivial: suponha que alguém perguntasse “o que é argila?” e respondêssemos que existe argila para oleiros, argila para fabricantes de fornos e argila para fabricantes de tijolos. Não seria essa resposta ridícula? Teeteto concorda. E Sócrates aprofunda: seria um absurdo supor que aquele que fez a pergunta compreenderia a natureza da argila apenas porque listamos seus usos sociais. Como pode alguém entender o nome de algo se não conhece a sua natureza?
O ponto socrático é claro: não se conhece algo pela enumeração de suas funções ou pela multiplicação de suas aplicações. Conhecer exige alcançar a essência da coisa, e não apenas seus efeitos práticos. Dizer “argila do oleiro” não responde ao que é a argila; apenas desloca a ignorância para o campo da utilidade.
Quando transportamos esse raciocínio para o presente, especialmente para o ambiente das redes sociais, o problema se intensifica. A mesma lógica que proclamou que todos se tornaram fotógrafos sustenta hoje a ilusão de que todos se tornaram especialistas. Confunde-se acesso com compreensão, registro com conhecimento, visibilidade com saber. O gesto de fotografar uma tragédia não implica entendê-la; assim como opinar sobre saúde, política ou educação não equivale a conhecer suas determinações concretas.
Professor Alexandre Machado Rosa
15/12/2026