Integra
Quando iniciei o doutorado em Ciências Sociais, meu orientador, o professor Everardo Duarte Nunes, sociólogo consagrado e um dos pilares da constituição das Ciências Sociais em Saúde dentro da Saúde Coletiva no Brasil, apresentou-me logo de início a obra de C. Wright Mills. Everardo, ele próprio um “sociólogo orgânico”, para usar a expressão de Gramsci, me convocava a pensar para além das fronteiras disciplinares.
O ponto de partida era a Imaginação Sociológica. Para Mills, essa capacidade consiste em conectar a experiência pessoal à história e à estrutura social, reconhecendo que aquilo que vivemos como problemas individuais (preocupações) é, muitas vezes, a expressão de questões sociais mais amplas. É o exercício que permite ultrapassar o senso comum, superar o isolamento dos dados empíricos fragmentados e compreender como a sociedade nos atravessa e como também a transformamos.
E, se há um território onde essa imaginação sociológica pulsa de modo visceral, é no rap. O rap é, sem dúvidas, um olhar sociológico explícito sobre o mundo. E seu maior expoente no Brasil atende pelo nome de Mano Brown. Pedro Paulo Soares Pereira: homem negro, filho de mãe solo, forjado na periferia da zona sul de São Paulo. Sua música é consagrada, mas, hoje, ele próprio se afirma como um sociólogo com “S” maiúsculo.
Em Brown, o sonho de Mills ganha carne e voz. A teoria se personifica. Ele lê o Brasil com profundidade, interpreta as contradições do mundo contemporâneo e traduz a vida da periferia e da população negra em arte, crítica, denúncia e esperança.
Que satisfação é ouvi-lo falar. Que força é ouvi-lo cantar.
Afinal, Mano Brown não apenas canta a realidade, ele a analisa, a explica e a confronta. E isso é sociologia em estado puro.
Alexandre M. Rosa
Professor, pesquisador e aprendiz atento do Brasil real