Integra
Maia, 16 de maio de 2045
Pelos idos de vinte e cinco, reinava o caos social, em grande parte resultante do modelo educacional – familiar, social e escolar – fundado na proposta instrucionista. Dirigentes ignorantes atreviam-se a demitir diretores, professores morriam dentro da escola, a militarização da Escola Pública estava em marcha acelerada.
Adormecêramos ancorados em velhas e nefastas práticas, buscando no hemisfério Norte aquilo que tínhamos de sobra no Sul. Adiávamos uma catarse, que nos libertasse de atávicos procedimentos. Dizia-nos o dicionário que catarse era a palavra pela qual Aristóteles, na "Poética", designava "purificação". Psicanaliticamente, poderia significar trazer à consciência recordações recalcadas. E Gadotti afirmava:
“A pedagogia tradicional, centrada sobretudo na escola e no professor, não consegue dar conta de uma realidade dominada pela globalização das comunicações, da cultura e da própria educação”.
Mas os desgovernantes continuavam a enfeitar o modelo de ensino com aulas de reforço e “bem-estar” (sic), olimpíadas, “qualidade total”, cursos de “planejamento de aula” e capacitações para dar aulas com alegria” (sic). A Educação seguia ao compasso de insanas decisões de empresários e outros leigos.
Não seria já tempo de assumirmos a nossa quota parte de responsabilidade pelo caos social, pelo negacionismo vigente? E o que poderíamos esperar das ditas “alternativas”?
“Montessori em sala de aula”? Ela dizia que se deveria “seguir a criança”, conferir-lhe iniciativa. Em sala de aula, o que ela deveria fazer era “seguir o professor”.
Quando colocava questionamentos desta natureza, os discípulos dos gurus de ocasião, não sabendo que responder, amuavam, tornavam-se agressivos – consideravam os seus gurus como intocáveis.
Havia ruído na comunicação. Não era a falar que a gente se entendia –desentendíamo-nos. A representação mental da palavra “escola” estava alojada na gaveta do “pensamento único”, impedindo de ver realidades com olhos que veem muito para além da aparência das coisas.
Mais e mais escolas surgiam, seguindo à risca procedimentos que o seu inspirador, ou inspiradora, havia concebido… há mais de um século. E, incensando gurus e replicando práticas centenárias, aderindo a um credo pedagógico, prosélitos demonizavam todo aquele que se atrevesse a questionar verdades absolutas.
Conta-se que, viciados em concursos como o “Professor do Ano” e competições afins, uma empresa resolveu premiar aquela que seria corrente pedagógica mais inovadora. Acorreram os montessorianos, os steinerianos, os freinetianos, os freirianos não-praticantes e uma chusma de outras seitas pedagógicas.
De eliminatória em eliminatória foi chegada a final do concurso. Duas correntes se defrontaram, para apurar a vencedora.
A prova consistia em substituir uma lâmpada fundida. Ela pendia do teto, por cima de uma mesa. Apenas estes elementos poderiam constar da proposta de solução. E a proposta mais criativa, mais inovadora levaria o troféu em jogo.
Ao cabo de meia hora, o júri analisou as propostas.
Uma delas propunha que, sendo aquela corrente pedagógica caraterizada pelo trabalho em equipe, um dos elementos da equipe seguraria a lâmpada, enquanto os restantes fariam rodar o teto, até a lâmpada fundida se soltar e poder ser substituída.
A outra equipe não apresentou proposta e reclamou do regulamento.
Quando o júri perguntou por que assim agiam, a equipe respondeu que o seu guru nunca escrevera sobre lâmpada fundida.
E lá íamos andando com a cabeça entre as orelhas.