Patrulhamento e Incentivo a omissão.
Integra
Sempre fui levado a crer, como parte da minha educação, que o ser humano deve se posicionar, na sociedade, como forma de participar ativamente da vida social e assim colaborar com o desenvolvimento da nossa cultura e das pessoas que conosco convivem.
Ultimamente não venho sendo incentivado a essa atitude por uma série de fatores decorrentes do acirramento dos ânimos que a polarização entre os chamados direitistas e esquerdistas provocou. Digo mais, as notícias que leio diariamente estão levando as pessoas a um incentivo a omissão.
Esse acirramento de posições parece que vem provocando também um gatilho para as “sensibilidades”, com as pessoas endeusando seus direitos, mas dando muito pouca atenção a seus deveres. Temos uma sensibilidade “dodói”, “coitadinha”. E isso se agrava quando as pessoas envolvidas têm posições sociais diferenciadas, como rico e pobre, professor e aluno, homem e mulher etc. E dá-lhe “ismos” – sexismo, capacitismo, e muito mais.
O receio de falar algo “fora da caixa” acarreta, não raro, o desinteresse que domina o tédio de muitas pessoas, não contribuindo para que as discussões fossem mais propositivas e saudáveis. O interessante é que na maioria das vezes, o assunto gira em torno de diversidade – que supõe compartilhamento-, mas ficamos com medo de compartilhar nossas ideias, levando-nos a omissão de palavras e principalmente de atos.
Esconder-se nesse medo não leva a lugar nenhum. É preciso enfrentá-lo, usando a linguagem certa, em momentos apropriados, que não choquem, mas também não suavizem o assunto a ponto de descaracterizá-lo.
Entre os inúmeros casos registradas na imprensa, diariamente, um deles, ocorrido no Espírito Santo chamou minha atenção. Um professor da rede pública escreveu na lousa o que chamou de “reflexão”, em forma de pergunta, referindo-se a um de seus alunos, adolescente que ia mal nos estudos: “Será que é melhor ia para o calçadão vender água de coco, ou se esforçar um pouco mais nos estudos para ter um emprego melhor?” O estudante ajuda a mãe a vender o coco na orla da cidade.
Outros alunos tiraram fotos do escrito, que chegou até a mãe do adolescente referido, o que provou um sentimento de humilhação e revolta, argumentando que isso era o seu ganha pão e de onde tirava o sustento dos filhos, e que se orgulhava da sua atividade por isso. Orientada pela Secretaria de Educação registrou um boletim de ocorrência e ficou no aguardo do desenrolar da ação.
Mesmo com explicações e diante da repercussão do caso o professor foi demitido.
Ele defende que sua manifestação era sobre a importância da educação e das suas relações com o trabalho na idade escolar, e que foi mal interpretada. Argumentou que sua “reflexão”, foi baseada em sua experiência pessoal, pois já passou por isso. Reconheceu que foi infeliz na forma, no local e no tempo que ela foi comunicada.
Mas, o mais chocante para mim foram as repercussões nas redes sociais e nos comentários interativos das notícias de jornais e programas de rádio e televisão. São raras as manifestações que analisam a questão pró e contra, com discursos ponderados e buscam o entendimento da questão. Na sua maioria são discursos de ódio, em posições sectárias pró e contra rasteiros, simplistas, partidarizados politicamente, e não acrescentam nada. Pelo contrário jogam combustível na fogueira e ficam admirando o incêndio.
O professor em questão não se omitiu na tarefa de chamar a atenção para a importância da dedicação e da disciplina no processo de ensino aprendizagem. Foi infeliz na forma e no local. Poderia ser uma conversa particular, reservada com o aluno, que não o expusesse. Mas a punição, com o desligamento sumário pode levar à omissão dos educadores. É mais cômodo se omitir, não se colocar em jogo, e é mais seguro livrando-se de punições, cancelamentos, suspensão do trabalho e outros problemas.
Quem acredita na sua verdade não pode ficar calado diante dos fatos. Entretanto a firmeza com que defendemos nossos pontos de vista precisa respeitar os pontos de vista dos outros, sem falar publicamente de questões particulares, sem pressões, sem se valer da autoridade de um cargo para ser autoritário, de forma equilibrada e educada.
É claro que precisamos nos preocupar com qualquer tipo de preconceito, e chamar a atenção, até mesmo criminal, em vários casos, contra seus defensores. Mas isso não justifica o patrulhamento irresponsável, o aproveitamento político partidário que rotula e o discurso de ódio. Afinal ódio contra possível ódio não leva a boas coisas. É um acirramento exacerbado, que “cancela” e “deleta” pessoas por opiniões manifestadas e pode motivar ainda mais radicalismos, no mal sentido, e condenações sem julgamentos. O patrulhamento só engrossa a omissão, na vida cotidiana, uma das características mais marcantes e perniciosas do nosso tempo.
Parte do livro “BALAIO- grandes temas em pequenos escritos”, a ser publicado pela Editora Mercado de Letras, em outubro de 2025