Prescrição de exercícios e enxaqueca: uma abordagem baseada em evidências
Resumo
Você conhece alguma atleta que sofre com enxaqueca? Revisamos uma meta-análise que investigou o tratamento não-medicamentoso da enxaqueca, trazendo resultados sobre o poder do exercício físico no combate a esta condição debilitante, incluindo um programa de exercícios personalizado.
Integra
Entenda o essencial
- A enxaqueca é uma condição neurológica debilitante que afeta milhões de pessoas, impactando a qualidade de vida e limitando atividades diárias.
- O estudo analisou a eficácia do exercício aeróbico versus treinamento de força no tratamento da enxaqueca, através de uma meta-análise em rede de 21 ensaios clínicos com 1.195 participantes.
- O treinamento de força demonstrou maior eficácia na redução da frequência de enxaqueca, seguido pelo exercício aeróbico de alta intensidade. Ambos superaram placebo e medicamentos comumente usados.
- Os mecanismos propostos para os benefícios do exercício incluem modulação da dor, fortalecimento muscular, efeitos anti-inflamatórios e otimização da função mitocondrial.
- Recomenda-se um programa de exercícios multimodal, combinando força e aeróbico, individualizado conforme as necessidades e preferências do paciente.
Introdução
A enxaqueca ou migrânea, frequentemente banalizada como uma "dor de cabeça forte", é uma condição neurológica complexa e incapacitante que afeta significativamente a qualidade de vida de milhões de pessoas. A busca por tratamentos eficazes é constante, e o exercício físico surge como uma alternativa não-farmacológica promissora.
Em busca de uma sistematização, o artigo "What is the efficacy of aerobic exercise versus strength training in the treatment of migraine? A systematic review and network meta-analysis of clinical trials" investigou a eficácia de diferentes modalidades de exercício no tratamento da enxaqueca. Foram comparados exercícios aeróbicos e treinamento de força, com o objetivo de fornecer subsídios para a prescrição de exercícios mais efetiva.
Como foi feito o estudo
Através de uma meta-análise em rede (NMA) para avaliar a eficácia do exercício aeróbico versus treinamento de força no tratamento da enxaqueca, foram pesquisadas as bases de dados Web of Science, PubMed e Scopus, incluindo 21 ensaios clínicos controlados randomizados que compararam intervenções com exercícios (aeróbicos e/ou de força) com placebo ou tratamento usual.
Os participantes eram adultos com enxaqueca episódica ou crônica. A diferença média na frequência mensal de enxaqueca foi o principal desfecho. A ferramenta RoB 2 foi usada para avaliar o risco de viés. A NMA foi conduzida utilizando um modelo de efeitos aleatórios, e foram realizadas análises de sensibilidade para explorar a influência da gravidade da enxaqueca.
E o que o estudo diz?
O estudo demonstra que tanto o treinamento de força quanto o exercício aeróbico de alta intensidade são eficazes na redução da frequência de enxaqueca, superando exercícios aeróbicos de baixa intensidade, intervenção medicamentosa (topiramato, amitriptilina) e o o placebo.
O treinamento de força apresentou a maior eficácia, possivelmente devido ao fortalecimento dos músculos do pescoço e cintura escapular, áreas frequentemente associadas à dor em pacientes com enxaqueca.
Outra razão pela qual o treinamento de força/resistência superou o exercício aeróbico na redução da carga de enxaqueca pode estar relacionada à sua maior capacidade de aumentar/preservar a massa muscular magra e combater a sarcopenia (mesmo com perda de gordura), em comparação com o exercício aeróbico. Sabe-se que um porcentual de massa magra maior está associado a uma menor frequência de enxaqueca.
Por sua vez, a superioridade do exercício aeróbico de alta intensidade sugere um limiar de intensidade necessário para ativar mecanismos analgésicos.
Os resultados reforçam a importância da individualização da prescrição de exercícios, considerando a gravidade da enxaqueca e as características do paciente.
Relação com outros estudos
Os resultados corroboram estudos prévios que demonstram os benefícios do exercício no manejo da enxaqueca, mas adicionam evidências sobre a superioridade do treinamento de força e do exercício aeróbico de alta intensidade.
A hipótese de que o fortalecimento muscular na região do pescoço e ombros contribui para o alívio da dor encontra respaldo na literatura que demonstra a associação entre enxaqueca e dor cervical.
Diretrizes profissionais
- Profissionais de Educação Física devem considerar a inclusão de treinamento de força, especialmente para os músculos do pescoço e cintura escapular, e exercícios aeróbicos de alta intensidade, em programas de exercícios para clientes com enxaqueca.
- A prescrição deve ser individualizada, considerando a gravidade da condição, o nível de condicionamento físico e as preferências do cliente.
- Dito isso, os autores recomendam iniciar com 50% de 1RM, realizando 2 a 3 séries de 12 a 15 repetições, três vezes por semana, juntamente com 10 minutos de aquecimento, alongamento e relaxamento, totalizando 45 a 60 minutos por sessão. Posteriormente, a carga/resistência pode ser aumentada semanalmente em 5% de 1RM, se o paciente conseguir completar as três séries com sucesso.
- O monitoramento da resposta ao exercício e a educação do cliente sobre o manejo da enxaqueca são essenciais. A colaboração com outros profissionais de saúde também é necessária, numa abordagem multidisciplinar.
Considerações
O estudo destaca a importância da Educação Física no manejo da enxaqueca, oferecendo alternativas não farmacológicas para o controle da dor e melhora da qualidade de vida.
Assim, a prescrição individualizada e a colaboração interprofissional são essenciais para a eficácia do tratamento.
E de forma geral, praticar exercícios regularmente pode ter um impacto duradouro no controle da enxaqueca, através de mudanças positivas no estilo de vida. Contudo, atividades físicas como musculação, esportes individuais ou coletivos, estão associadas a uma menor prevalência da enxaqueca, em comparação com atividades físicas realizadas durante deslocamentos ou afazeres cotidianos.
No universo da pesquisa
Sugestões para futuras pesquisas incluem:
- Investigar a relação dose-resposta entre intensidade do exercício e alívio da enxaqueca;
- Analisar os efeitos do exercício em diferentes subtipos de enxaqueca;
- Desenvolver programas de exercícios específicos para enxaqueca e avaliar sua eficácia em longo prazo;
- Explorar os mecanismos neurofisiológicos pelos quais o exercício influencia a enxaqueca;
- Investigar o papel do exercício na redução do uso de medicamentos para enxaqueca.
Referência
WOLDEAMANIEL, Y. W.; OLIVEIRA, A. B. D. What is the efficacy of aerobic exercise versus strength training in the treatment of migraine? A systematic review and network meta-analysis of clinical trials. The Journal of Headache and Pain, v. 23, n. 134, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s10194-022-01503-y.