Integra

A vida adulta tem sofrido uma série de pressões de desempenho, de alcance de objetivos, muitas vezes inatingíveis, de vencer e até da buscar a felicidade a qualquer custo. O estresse transparece no rosto das pessoas, suas atitudes e escolhas.  Terreno fértil para que ideais românticos de volta ao passado ficarem presentes no cotidiano. Fantasias de um tempo em que a vida parecia mais generosa e livre.

Isso tem remetido adultos a se infantilizarem, sem pensarem muito bem nas limitações que viveram como crianças, a censura, os interditos sempre presentes, que faziam ansiar pela juventude e pela emancipação. Buscam a leveza e o descompromisso que a faixa etária das crianças idealmente sugerem. Isso pode ocorrer também pela nostalgia de se sentir alegre e vivenciando a ludicidade, com vontade de recuperar o brincar.

Outros fatores negativos que contribuem para isso são eventos traumáticos na infância que travam a possibilidade de viver o mundo adulto, a baixa autoestima, e a famosa “Síndrome de Peter Pan”.

Não vamos falar aqui dos casos patológicos, mas de comportamentos que vem se tornando mais constantes no dia a dia dos adultos.  Está sendo frequente o retorno as chupetas e mamadeiras, o cultivo aos bichinhos de pelúcia, e o brincar de bonecas, até com adoção.

Alguns fazem isso por conforto, comodismo, ou necessidade para obtenção de algo, como fãs que usam fraldas para não perderem o posto na fila e pegarem um lugar mais interessante num show.

Uma nova palavra foi inventada - "Kidult", para designar os adultos que mantem vivos os interesses e comportamentos infantis, ampliando o mercado de brinquedos, jogos e itens de cultura pop nostálgica.   Até um determinado ponto isso pode envolver um perfil de busca do lúdico e do lazer, ou de conexão com o passado.  E como sempre o mercado está aproveitando a oportunidade e investindo no setor, em busca de maior consumo.

Mas há um grupo que leva isso a sério exageradamente.  O mundo todo vem tomando conhecimento disso, numa onda que começou na China, e que revelou, através das redes sociais, hábitos que já eram cultivados há muito tempo, e que foram publicizados. Outros seguem hábitos de seus ídolos, artistas, atletas ou influencers, usando roupas com estampas comumente associadas a crianças, frequentemente pijamas e pantufas graciosas de bichinhos.

Numa das últimas provas do ENEM, a fiscal de sala foi surpreendida com o pedido de uma estudante que solicitou permissão para usar chupeta durante a prova, argumentando que estava nervosa e só se acalmava assim. A fiscal estranhou o pedido, mas como não havia nenhuma proibição, permitiu. Muitas pessoas leem, assistem tv etc., chupando chupetas e usam mamadeiras para se alimentar com líquidos. Muitas delas dizem nem se imaginar como adultas.

Os especialistas dizem que há uma linha tênue entre o hábito saudável de tentar viver a ludicidade, e o caráter “adoecedor” dessas práticas.

Será isso um sintoma da falta do lúdico na vida das pessoas, pressionadas e cansadas numa “sociedade do cansaço”, de obrigações e insegurança?

Que tipo de sociedade estamos criando em que as crianças estão sofrendo um processo de adultização, inclusive sexual, e os adultos estão no fio da navalha entre a busca do lúdico e do conforto e a infantilização?

Será que a tão propalada queda da linha divisória entre trabalho e lazer, inclusive por estudiosos na área, na sociedade contemporânea, tem algo a ver com isso? A falta de barreira entre essas duas esferas de atividade humana, que sempre guardaram íntimas relações, gerando processos de alienação mútuos, está sendo vivida com a atitude que o lazer requer para propiciar descanso, divertimento e desenvolvimento pessoal e social? Ou isso é uma desconversa para que as pessoas que agora estão exigindo mais tempo e espaço de lazer afrouxem suas reivindicações?