Revisitando “A multidão solitária” – fraldas para quem?
Integra
Um livro que me impactou muito, na juventude, foi “A Multidão Solitária, de David Riesman, talvez porque apresentava dados esquematizados, que embora simplificassem muito as análises eram bem fáceis de entender. Ou talvez pela sua abordagem do caráter social. Ou ainda, por se deter nas questões culturais incluindo o lazer, tema que sempre me interessou, a partir de uma perspectiva histórica, nas sociedades tradicionais, de produção e de consumo.
Lançado nos Estados Unidos em 1950, ano em que nasci, o livro não foi somente destaque entre acadêmicos, motivando discussões acaloradas, mas também entre o público em geral, pois sua edição de bolso alcançou alta demanda, batendo recordes de venda, com o desejo dos leitores de querer saber em qual tipo de personalidade se encaixavam, não entendendo o conceito sociológico Weberiano de “tipos ideais”.
Sem entrar nas análises do sociólogo, pois este escrito não é uma “Resenha” acadêmica, importa destacar que suas conclusões advêm do tratamento da sociedade a partir das curvas de nascimento e mortalidade. Resultam, no dizer do autor, em sociedades tradicionais, de produção e de consumo, com a alteração no peso das curvas em cada período histórico.
Talvez se o estudo fosse realizado hoje ele demandasse novas interpretações pois em muitos países, e isso parece ser uma tendência, a taxa de natalidade continua cada vez mais baixa, mas a de mortalidade dado sinais de acirramento da longevidade - mais idosos e menos crianças.
É o que as notícias de jornais dão conta, recentemente, revelando que, no Japão são vendidas mais fraldas para adultos do quem para bebês, o que vem ocorrendo nos últimos dez anos.
Isso traz impactos econômicos, com reflexos no mercado de trabalho, formação de pessoal, disponibilidade de mão de obra, necessidade de repensar constante da Previdência social, incluindo a Aposentadoria por idade etc.
Traz também consequências socioculturais, sendo preciso alterações nas redes de apoio, novas estratégias de educação e adaptação nas políticas culturais, urbanísticas, de locomoção e acessibilidade, de saúde, entre outros aspectos. E como Riesman demonstrou em seu livro, tais consequências impactam em cada tipo de sociedade por ele analisada, no caráter e personalidade sociais, agora requeridos por essa nova época.
Isso não é privilégio do Japão ou somente de sociedades altamente desenvolvidas. Já estamos vivendo isso em todo o mundo, e assim, no Brasil, também. O enfrentamento da questão não pode ser adiado. O cuidado com os idosos é extremamente necessário, mas não é a única questão a ser enfrentada. Discussões que envolvem apenas esse aspecto são incompletas e desastrosas, até mesmo para os idosos, pois a questão não é somente assistencial, é estrutural, na nova sociedade que estamos vivendo.
Riesman deu o título de “A Multidão Solitária” ao seu estudo, argumentando que na época, 1950, estávamos cada vez mais vivendo em multidões, mas cada vez mais solitários.
O que dizer hoje dos aglomerados humanos e suas relações? Estamos, como sociedade, cada vez mais solitários, embora em multidões, com uma polarização burra, que impede as conversas francas e o diálogo; contamos com recursos variados à disposição de um número cada vez maior de pessoas, mas falta educação suficiente para utilizá-los sem aumentar ainda mais o isolamento; há Império de desigualdades e de preconceitos de várias nuances; o medo da violência é gigante; conversar dá receio de cancelamento de amigos e até da família, e temos que escolher palavras, toques nos cumprimentos e nos abraços.
Meu desejo é que a nova sociedade, a nova cultura e as novas personalidades contribuam para mitigar a solidão das pessoas em meio às multidões. Quem mais vai usar fraldas não importa. Isso é apenas um sintoma, não a questão.
Parte do livro “BALAIO- grande temas em pequenos escritos”, a ser publicado pela Editora Mercado de Letras, em outubro de 2025.