Trabalho Escravo no Brasil - Condenação pela Luta de Classes
Integra
Hoje não se fala mais tão frequentemente sobre luta de classes, e as discussões nesse sentido são abafadas em várias instâncias, mas é certo que convivemos com ela no nosso dia a dia, as vezes de modo mais disfarçado, não tão pornograficamente aparente, mas presente.
E um dos seus sintomas é o trabalho em situação análoga à escravidão.
O trabalho escravo ainda é uma triste realidade entre nós. O número de casos constatados tem diminuído, mas isso pode ser fruto da subnotificação. É difícil investigar casos dessa natureza, que na maioria das vezes são notificados por estranhos anônimos, e quase nunca pelos que sofrem essa violência.
Podem estar diminuindo em número, mas não em crueldade.
O caso recente de uma idosa resgatada do trabalho análogo à escravidão no Crato demonstra que os longos períodos fazem parte desses crimes, e não apenas os de curto prazo, como na maioria das vezes ocorre. Ela estava há 37 anos sem receber salários ou férias.
A idosa tem 61 anos e trabalhava das 5 às 22 horas, todos os dias, em jornada desumana, sem direito a nenhuma folga. A ocorrência se deu na região do Cariri cearense, e o resgate foi feito por auditores fiscais do trabalho, especializados em combater esse tipo de violência.
Ela estava isolada da família já fazia trinta anos, e era obrigada a cuidar de uma outra idosa, da família da patroa, revezando com a cuidadora, das 17 horas às 8 da manhã. Além dos serviços domésticos tratava também dos animais. As jornadas eram extenuantes.
Ficou temporariamente num abrigo, e depois retornou a sua cidade natal, junto à família. A empregadora não pagou as verbas indenizatórias e já foi notificada. Por enquanto ela recebe as parcelas do
“Seguro-Desemprego Especial do Trabalhador Resgatado’, e o “Auxílio-Doença”. Está, pois, dependente dos amparos do Estado, mesmo tendo direitos trabalhistas acumulados ainda não pagos.
Mas, e quanto aos anos vividos em cativeiro, a prisão, a exaustão, quem pagará por isso. Quem regatará os anos perdidos, com o impedimento de opções de vida?
Outra idosa, viveu em condições similares, so que no exterior, e sem saber falar a língua do país para onde seus empregadores se mudaram. O caso foi relatado no podcast “A mulher da casa abandonada”, e posteriormente no documentário do mesmo nome exibido no streaming. A diferença é que nessa segunda iniciativa, os produtores deram voz à idosa que sofreu a violência, e percebemos, além de tudo, suas dificuldades morando no exterior.
E aqui os depoimentos são comoventes. Assumindo o papel de narradora da história, a humildade e a simplicidade da vítima, agora com 85 anos, contrastam com os depoimentos frios e sem noção, despidos de humanidade, da empregadora.
Até quando vidas serão enclausuradas, privadas de liberdade e condenadas sem crime ao trabalho escravo? A dominação de classes continua imperando de modo geral, tendo como fruto principal a desigualdade econômico-social, e em alguns casos como os dois aqui relatados, com requintes de crueldade. Essas atitudes são parecidas com aquelas de tribos selvagens que escravizavam os povos derrotados, comportamento que imperava nas guerras até um passado recente.
Só que a violência com o trabalhador que vive em situação análoga à escravidão, não dá a eles o direito de lutar. São perdedores mesmo sem entrar nas contendas, pela sua situação sociocultural, abandono e ignorância, numa sociedade que deveria protegê-los, principalmente através da educação e da justiça social.