Trocando a vida por selfies e likes.
Integra
No universo das novas tecnologias, as selfies já são quase antigas, gerando até apetrechos para um desempenho melhor de seus autores, não tão vistos atualmente, talvez pelo treino que os inúmeros cliques proporcionaram. Já os likes são mais recentes, com o advento e o incremento cada vez maior da internet e das redes sociais.
Mas, ambos convivem numa relação de interdependência. Quase sempre quem tira selfies quer postar nas suas páginas e a divulgação só consegue acalmar os egos dos autores-emissores, ávidos de aprovação, com likes, completando o ciclo de comunicação, e sendo referendada pela manifestação do receptor.
E dá-lhe sorrisos invariáveis de felicidade, manifestações de saúde e atividades físico-esportivas, lugares aprazíveis, comidas aparentemente saborosas, riqueza etc., que às vezes beira à ostentação, para compensar talvez a falta do olhar carinhoso, do abraço amigo, do aperto de mão caloroso, de que às pessoas devem sentir muita falta, nas nossas relações humanas artificiais, com a restrição dos contatos face-a-face.
Exageros os mais diversos são cometidos em nome de uma boa luz, um ângulo diferenciado, um ajuste de profundidade, uma pose inusitada. São tantos que frequentemente são noticiadas selfies mortais, registros que resultaram em acidentais fatais, em locais arriscados, ceifando a vida de pessoas comuns, ou de influencers, mundo à fora.
De cabeça, lembro de casos no Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Minas Gerais, Canadá, Estados Unidos e México. Mas o número é alarmante, considerando apenas os casos registrados. Quem diz isso é a “Fundación iO”, que lida com a chamada medicina do viajante, tendo registrado mais de 500 mortes de pessoas, nos últimos anos. Um terço do total de vítimas estava em viagem, e as principais causas foram quedas de lugares altos, afogamentos e acidentes no transporte.
Apenas pela observação, mas os dados são confirmados por diversas fontes, muita gente já apresenta graus de dependência variada de likes, e de feedbacks nas redes sociais. As chamadas “curtidas”, quando recebidas provocam descargas de dopamina, o mesmo neurotransmissor que produzimos quando saboreamos um chocolate, recebemos dinheiro ou estamos em atividade sexual. Então elas dão prazer e são viciantes, especialmente para o cérebro dos jovens, ainda em desenvolvimento.
Pelo menos é o que indica um estudo feito na Universidade da Califórnia, publicado na revista Psychological Science, e que demonstrou como o cérebro dos adolescentes fica gratificado com os likes em suas fotos.
Se levarmos em conta somente uma das redes sociais, o Facebook, mais de 2,7 bilhões de usuários compartilham informações, curtem posts e ganham likes. Se fosse um país, seria um dos mais populosos.
A dependência de aprovação nas redes pode ser o indício de problemas de saúde mental, revelando uma nova pandemia. Pessoas colocam suas vidas em risco, diariamente, na busca por ela.
As novas tecnologias oferecem uma gama de possibilidades nunca vista para o nosso desenvolvimento, nos colocando frente a frente, em tempo real, com o mundo todo. Está aí a Inteligência Artificial abrindo caminhos para a criatividade e inserção social. Mas também nos tolhem em aspectos importantes da vida e da nossa construção como pessoas humanas.
Nesse universo selfies fatais não são as únicas provocadoras de mortes. O uso abusivo das redes sociais, da internet em geral, e a procura dos likes, também matam de forma silenciosa. Matam o tempo, bem tão precioso na nossa cultura, na sociedade atual. Matam a criatividade pela privação de vivências de experimentação real. Matam a sociabilidade, pela pouca possibilidade de contatos reais, com gente de carne e osso e sentimentos.
“In medio virtus”. Sim, também aqui a virtude está no meio. E a mediação deve se dar pela conversa com as crianças e os jovens, mais vulneráveis segundo demonstram as pesquisas, e pela conscientização de todos. Sem proibições e sem censura, decretada oficialmente ou não. Proibir ou censurar nunca é bom e sempre traz consequências indesejadas. Mas é preciso diminuir a dependência de selfies e likes e outras consequências das exposições desmedidas na internet em geral, e especialmente nas redes sociais. Aprovação e afeto se exercitam no dia a dia das relações humanas, com os erros e acertos, prazeres e dores que elas carregam.
Parte do livro “BALAIO- grandes temas em pequenos escritos”, a ser publicado pela Editora Mercado de Letras, em outubro de 2025.