Resumo

Este artigo integra o escopo dos estudos acerca da performance das Saias de Axé, pesquisa de doutoramento desenvolvida junto ao Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas da Unirio (2020). Como Saias de Axé estão compreendidas aquelas utilizadas por mulheres no espaço-tempodas tradições dos seus terreiros de Candomblé, onde exercem seus papéis e funções no cotidiano e na liturgia da tradição. Assim, a relação Saia-Mulher-Candomblé fricciona o corpo feminino negro como autoria e eixo de perpetuação de “corpo e alma” de tradições da afrodiáspora no Brasil.  Nessa perspectiva, esse termo é, então, cunhado por nelas, nas Saias de Axé, estarem inscritas a construção sócio-política dessas mulheres que “ganham” as ruas e reinam em seus terreiros e, sobretudo, por nelas estarem costuradas a subversão em formatos, ornamentos e barrados pelo movimento espiralar que “dançam” nos territórios do terreiro. Dentre as peças que compõem o traje feminino do Candomblé, a saia é aquela que emblematiza a atividade econômica feminina do “ganho” e cuja memória continua bordada em nossos cotidianos nos terreiros bem como nas ruas, a exemplo do ofício das baianas do acarajé. A atividade de comércio nos mercados, feiras e ruas foi de imperativa presença feminina negra na construção histórica do Brasil e, está fortemente alicerçada ao lugar que esta mulher negra também construiu para si no Candomblé.  Desse modo, na busca pela aproximação da dimensão e potência do encontro de uma mulher de Candomblé com sua saia, esse trabalho aciona a construção da matrilinearidade no Candomblé intrinsecamente costurada à noção de matrifocalidade, costurando assim diferentes camadas dessas ondas que se propagam pelo movimento espiralar das saias rodadas. Com isso, a reconstituição do cotidiano da mulher negra na rua resgata traços culturais que revelam a relação das culturas afrodiaspóricas com o espaço público, bem como sublinham a rua como espaço de atuação feminina da mulher africana, incidindo importante marcadores culturais em nosso contexto de construção colonial, em que a rua é território de sua exploração, mas também de sua transgressão para a liberdade.