Integra

Há quem não se aperceba da substância do teu mister. Reduzem-te a mero ensinador de habilidades e técnicas. E és isso na aparência! Não percebem que elas são instrumentais de destrezas e grandezas metafísicas. Isto é uma obviedade; porém o óbvio, embora seja simples, não se deixa ver aos desatentos. Muitos de ti também sofrem dessa cegueira e, portanto, não irradiam fulgor e põem paixão no seu labor.

Talvez não te dês conta de que lecionas ética e estética, sem as apregoar, contabilizar e nomear. Sim, ensinas a visibilidade do correr, jogar e saltar; mas estes na profundidade e na altura têm raízes e estrelas  para driblar, colorir e iluminar a face sombria e taciturna da realidade e dar às circunstâncias um rosto de encantar. Levantam o ânimo, a confiança e o olhar dos alunos para o além e acima do cesto, da rede e da fasquia; e despertam a crença de que pernas e braços podem tornar-se asas para atingir o impossível e no mais alto e distante tocar e sobrevoar. 

Na natação ensinas a suster a ansiedade e o medo, e a encarar como natural o inabitual.

Na ginástica mostras a arte de exceder e ousar, ajudar e encorajar. E no futebol a de compartilhar a bola e o prazer do jogar. Estimulas os que ficam no banco a esperar sem desistir, metáfora do sentido de viver e existir, com ânimo temperado e lábios a sorrir. 

Na vitória apresentas a justa medida da alegria com elegância e moderação; e na derrota a sublimação do desgosto, pondo no mérito alheio o selo da admiração. Sempre com o código do trato humano do Outro nas mãos e no coração, como garantia da vida boa para todos, entendendo a competição como forma exaltante da cooperação.

No treino muscular realças que a força não se destina a ser usada contra ninguém; é para forjar o carácter forte e superior à vileza dos instintos e melhorar o ‘quem’. A superação e transcendência começam e aperfeiçoam-se na formação da identidade, predisponente a andar de braço dado e fraterno com a alteridade.

Na corrida cultivas a prontidão, a disponibilidade e velocidade para escapar do mal que nos tenta e seguir atrás do bem que nos eleva e sustenta. 

Sobretudo és pontífice da sacralização do corpo, de rituais de edificar com eles pontes para a magnificência da vida. Cada um vale muito mais do que é visível; mora nele uma pessoa única e insubstituível. Esguios, curvados, gordos ou magros, todos os corpos são templos de veneração do intangível.

Em suma, não podes, ó Professor, alijar a tua missão nesta cruzada de busca de outra civilização. És um Quixote que enfrenta o tempo gasto e caduco e dele se afirma fugitivo, um poeta, tecelão e vate do ócio criativo.

Jorge Olímpio Bento

31.08.2025