Ozempic e perda de massa magra: a importância do treimamento de força
Resumo
Novos medicamentos para perda de peso baseados em incretinas (como GLP-1) como Ozempic demonstram alta eficácia na redução de gordura corporal, mas também causam uma perda significativa de massa magra, comparável a décadas de envelhecimento. Como o exercício resistido pode ajudar a terapia farmacológica?
Integra
Entenda o essencial
- As terapias com incretinas (agonistas de GLP-1, agonistas duplos/triplos), com nomes comerciais como Ozempic e Mounjaro, são eficazes para a perda de peso (~15-24%), mas também induzem uma perda significativa de massa magra (~10% ou ~6 kg).
- Essa perda é comparável à observada em uma década ou mais de envelhecimento e pode ter implicações negativas para a saúde (sarcopenia, fragilidade, metabolismo).
- A combinação de terapia com incretinas e exercício resistido poderia otimizar a perda de gordura enquanto preserva a massa magra, potencialmente prevenindo o reganho de peso (especialmente gordura) após a interrupção do medicamento.
- Uma revisão narrativa sintetizou dados existentes e hipotetizou desfechos, destacando a falta de estudos diretos que testem o exercício resistido concomitantemente com as incretinas desde o início do tratamento.
Introdução
Cada vez mais observamos a crescente popularidade de novas medicações sendo utilizadas para perda de peso, como Ozempic e Mounjaro. Frequentemente destacadas na mídia, essas drogas, baseadas em hormônios intestinais chamados incretinas, de fato promovem uma redução significativa do peso corporal.
Contudo, um efeito colateral importante e menos divulgado é a perda considerável não apenas de gordura, mas também de massa muscular. Para o profissional de Educação Física, que lida diretamente com a saúde, a composição corporal e a capacidade funcional dos indivíduos, entender essa dinâmica é de suma importância, pois a perda muscular pode comprometer o metabolismo, a força e a qualidade de vida a longo prazo, mesmo que a balança mostre um número menor.
Como foi feito o estudo
Recentemente publicado, o artigo “Incretin-based weight loss pharmacotherapy: can resistance exercise optimize changes in body composition?”, publicado em 2024, é uma revisão narrativa e um artigo de perspectiva. Os autores analisaram dados de ensaios clínicos randomizados que avaliaram a eficácia e os efeitos na composição corporal de diferentes terapias baseadas em incretinas como liraglutida (Saxenda), semaglutida (Ozempic, Wegovu), tirzepatida (Mounjaro) e retatrutida (Rybelsus).
Além disso, revisaram estudos sobre os efeitos de diferentes modalidades de exercício (principalmente aeróbio vs. resistido) na massa magra, especialmente em contextos de perda de peso, envelhecimento e outras condições clínicas.
Com base nessa síntese, construíram um argumento e formularam hipóteses sobre como o exercício resistido poderia otimizar os desfechos da farmacoterapia com incretinas.
E o que o estudo diz?
A revisão demonstra que, embora as incretinas levem a uma perda de peso significativa (variando de ~15% a mais de 24% dependendo do fármaco e dose), uma porção relevante dessa perda é de massa magra (LM).
Estudos com semaglutida e tirzepatida, por exemplo, relataram perdas absolutas de LM na ordem de 6 a 7 kg, correspondendo a cerca de 10-14% da LM inicial. Os autores enfatizam que essa magnitude de perda muscular é clinicamente relevante, comparável ao declínio associado a mais de uma década de envelhecimento, e pode aumentar o risco de sarcopenia e fragilidade, além de reduzir a taxa metabólica basal.
O texto argumenta que a manutenção da massa muscular essencial para a saúde metabólica e funcional, e que sua perda pode predispor ao reganho de peso (principalmente gordura) após a cessação da terapia medicamentosa. O fenômeno “rebote”, por sinal, já foi observado em estudos de acompanhamento (~60-70% do peso perdido é recuperado em um ano), colocando em xeque a eficácia de medicamentos como o Ozempic.
Com base na literatura sobre exercícios, os autores destacam que o treinamento de força (exercício resistido - ER) é consistentemente superior ao treinamento aeróbio para a preservação ou ganho de massa muscular. Eles hipotetizam que a incorporação de um programa de ER bem ajustado durante o tratamento com incretinas poderia:
- Mitigar ou prevenir a perda de LM induzida pelo fármaco.
- Potencialmente otimizar a perda de gordura, mantendo o metabolismo mais ativo.
- Reduzir significativamente o reganho de peso e gordura após a descontinuação do tratamento.
Gráficos hipotéticos no artigo ilustram essa proposta, mostrando uma menor recuperação de peso e gordura, e uma manutenção ou até ganho de LM no grupo que combinaria incretina e ER, em comparação com a terapia isolada.
No entanto, reconhecem que a evidência direta para essa combinação específica (ER desde o início com incretinas potentes) ainda é limitada, citando apenas um estudo que usou um protocolo combinado (aeróbio + resistido) com liraglutida após uma fase inicial de dieta, mostrando benefícios modestos na manutenção do peso.
Relação com outros estudos
Os achados desta revisão sobre a perda de LM com incretinas estão alinhados com outras análises e observações de ensaios clínicos desses fármacos. A preocupação com a qualidade da perda de peso (proporção gordura vs. massa magra) não é exclusiva das incretinas; já era um ponto de discussão importante em intervenções como a cirurgia bariátrica, que também induz perda significativa de LM.
A forte recomendação do ER baseia-se em um corpo robusto de evidências científicas que demonstram seus benefícios na hipertrofia muscular, na prevenção da sarcopenia relacionada à idade, e na atenuação da perda muscular durante restrição calórica ou doenças catabólicas. O diferencial desta revisão é aplicar esse conhecimento consolidado ao contexto específico e relativamente novo das terapias com incretinas.
A revisão também identifica corretamente uma lacuna na literatura: a ausência de ensaios clínicos randomizados desenhados especificamente para testar os efeitos da acréscimo de um programa de ER estruturado e individualizado desde o início do tratamento com Ozempic e similares sobre a composição corporal, capacidade funcional e desfechos metabólicos a longo prazo, incluindo o período pós-descontinuação.
Diretrizes profissionais
Para profissionais de Educação Física, este estudo oferece perspectivas importantes e sugere as seguintes diretrizes ao trabalhar com clientes que tomam Ozempic ou Mounjaro:
- Conscientização e anamnese: esteja ciente do uso crescente desses medicamentos. Inclua perguntas sobre o uso de fármacos para perda de peso na anamnese e compreenda os potenciais efeitos na composição corporal do cliente.
- Educação do cliente: informando-o sobre a possibilidade de perda de massa muscular associada ao medicamento e a importância de estratégias para mitigar esse efeito. Foque nos benefícios do ER para a saúde geral e para a manutenção dos resultados.
- Priorização do Exercício Resistido: recomende fortemente e implemente um programa de treinamento de força individualizado e progressivo como componente essencial do plano de exercícios, visando todos os grandes grupos musculares.
- Monitoramento: monitore a composição corporal (além do peso corporal) e a capacidade funcional (força) ao longo do tempo para ajustar o programa de treino e avaliar a eficácia da intervenção combinada.
- Abordagem integrada: comunique-se (com a permissão do cliente) com outros profissionais de saúde envolvidos (médico, nutricionista) para garantir uma abordagem coordenada e otimizada.
- Foco na sustentabilidade: enfatize que a manutenção da massa muscular através do ER pode ser chave para sustentar a perda de peso e melhorar a saúde metabólica a longo prazo, especialmente se o cliente eventualmente interromper a medicação.
Considerações
A revisão de Locatelli e colaboradores aborda um tema relevante e atual para a Educação Física e áreas correlatas. As incretinas representam um avanço farmacológico significativo no tratamento da obesidade, mas seus efeitos sobre a massa magra não podem ser ignorados. A perda muscular induzida por esses fármacos pode comprometer ganhos metabólicos e funcionais, além de potencialmente sabotar a manutenção do peso perdido a longo prazo.
A proposta de integrar o exercício resistido como adjuvante terapêutico é fundamentada em sólidos princípios fisiológicos e evidências de outros contextos. Embora a pesquisa direta nesta área específica ainda precise avançar, a recomendação de priorizar o treinamento de força para indivíduos em uso de Ozempic e outros fármacos parece prudente e potencialmente benéfica.
Cabe ao profissional de Educação Física desempenhar um papel ativo na educação, prescrição e acompanhamento desses indivíduos, visando otimizar os resultados para além da simples redução na balança.
No universo da pesquisa
Considerando as lacunas e limitações presentes no texto, futuras pesquisas poderiam explorar:
- Ensaios Clínicos Randomizados (ECRs): conduzir ECRs que comparem diretamente: (Grupo 1: Incretina + Cuidados Padrão) vs. (Grupo 2: Incretina + Exercício Resistido Estruturado) vs. (Grupo 3: Incretina + Exercício Aeróbio Estruturado). Avaliar mudanças na composição corporal (DXA/MRI), força muscular, capacidade funcional, marcadores metabólicos e qualidade de vida.
- Otimização do protocolo de ER: investigar qual o tipo, volume, intensidade e frequência de ER mais eficaz para preservar LM neste contexto específico (e.g., 2 vs. 3 vezes por semana, intensidades variadas).
- Estudos de Longo Prazo: acompanhar os participantes dos ECRs após a descontinuação da terapia medicamentosa para avaliar o reganho de peso, alterações na composição corporal e manutenção da capacidade funcional em cada grupo.
- Populações Específicas: avaliar a interação entre incretinas e ER em populações de maior risco para perda muscular, como idosos, indivíduos com sarcopenia pré-existente ou com múltiplas comorbidades.
- Mecanismos fisiológicos: investigar os mecanismos moleculares pelos quais as incretinas afetam o músculo esquelético e como o exercício resistido modula essas vias.
- Combinação com Nutrição: explorar o papel da ingestão proteica adequada em conjunto com o ER e a terapia com incretinas na otimização da composição corporal.
Referência
LOCATELLI, J. C. et al. Incretin-based weight loss pharmacotherapy: can resistance exercise optimize changes in body composition?. Diabetes Care, v. 47, n. 10, p. 1718–1730, 2024. DOI: https://doi.org/10.2337/dci23-0100.