Integra
“Ser poeta não é escrever um poema; é descobrir uma nova maneira de viver”, afirmou Agustina Bessa Luís. Esta visão encoraja-me a associar o desporto e a poesia, porquanto partilham idêntico fim: o de arrancar do íntimo, e até do nada, sentimentos, sonhos, angústias, aspirações que se materializam como atos simbólicos, sejam eles palavras ou gestos. Na poesia e no desporto caminha-se para a transcendência e liberdade da alma e do corpo. Esgota-se o campo do possível e reduz-se o impossível com a ajuda e a posse de uma apurada tecnicidade.
Bem vistas as coisas, poetas e desportistas são românticos. Por causa disso não têm vida fácil; sofrem as dores próprias e sublimam as alheias. Ademais, roubam-nos a ilusão da felicidade grátis. Sugerem que ela se alcança pela via da maceração; e que talvez assim expulsemos as hidras e serpentes, os medos e traumas, as agruras e dificuldades que nos amargam o dia-a-dia. Porventura é através desta purga que ficamos leves e soltos para levantar voo para outras exigências e uma nova consciência da existência.
No fundo, poesia e desporto são uma dialética de contrários, do descontentamento e da fruição, do espartano e do hedonista; um aviso de que não se chega à autenticidade e integridade sem ser pelo caminho da observância de obrigações, princípios e ideais. Eis nisto o casamento de duas modalidades de expressão manifestamente diferentes, mas afinal tão sintonizadas uma com a outra. O mito é o mesmo, o agonismo preside a ambas, a coroa de louros tem o mesmo preço, as duas comem o mesmo pão, bebem da mesma taça e saboreiam o mesmo vinho. No papel abúlico e passivo, que se coloca à disposição da caneta, e no corpo dócil e plástico, que se sujeita aos métodos do treino e aos reptos da competição, ficam impressos devaneios, ousadias e arrebatamentos do ânimo e da vontade. Como marcos éticos e estéticos da sorte que a cada um toca cumprir, ao poeta e ao desportista.
Desporto e poesia convidam-nos a alargar a sensibilidade e a pôr termo ao descaso que leva à desumanização. Poetas e desportistas surgem aos meus olhos, fatigados de tanto procurar, como balizas da esperança de que, enquanto a paixão perdurar, a nossa ciência não ficar míope e a imaginação cansada, há de florescer a utopia de ser feliz.
11.12.2025
Jorge Bento