Integra

Os patifes vivem dias de euforia superlativa, enquanto à volta reina a paz dos cemitérios. A tirania ergue-se em cima de cumplicidades, omissões e traições. Jornais, telejornais e redes digitais entretêm-se a normalizar os cavernícolas com cabelo lambido por girafas. Populações são mortas a ferro, fogo e fome; universidades prestigiadas atacadas, mentes livres insultadas e defenestradas e os biltres entronizados. A anestesia frutifica. Tirando o Prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, e poucos mais, a voz dos intelectuais está calada. Nada indigna as cabeças de cartaz da Europa e do ‘mundo livre’.

Trump e os acólitos usam a linguagem e a chantagem sórdidas para levar as economias e a civilização à morte. Os únicos governos que lhes fazem frente e finca-pé são de países do Sul; o ‘meu’ Brasil surge à cabeça, o que me enche de orgulho. Os outros coadjuvam, embora simulem discordar. Cada vez tem menos espaço quem contradite a falsidade e afirme a esperança da superação das guerras e conflitos.

Uma grande parte dos cidadãos recusa tomar o lado dos oprimidos e famintos, dos sujos pela poeira do chão e das bombas atiradas contra eles, contra a sua história e destino. A Terra carece de um largo batalhão de psiquiatras e enfermeiros que vistam uma camisa-de-força ao superego dos xerifes do universo e dos lacaios; e de exorcistas que expulsem a malignidade dos facínoras.

Jacques Lacan (1901-1981) viu no superego a sede do narcisismo e definiu-o: ele “é a agência antiética, a estigmatização da nossa traição ética”. O que dizer do superego dos canalhas narcisistas que hoje atazanam e traem a Humanidade? Com o espírito despido de sentimentos próprios do Ser Humano, e provido de aquiescências a monstruosidades, não se sentem degradados eticamente pelos atos que praticam. Ao invés, assumem para padrão de realização pessoal e política o gozo resultante da extensão dos atingidos pela sua iniquidade. Os símbolos e significados, elegidos e enaltecidos, são concordantes com os seus abjetos interesses. Para eles o conceito de ‘semelhante’, ‘pátria’, ‘Deus’, ‘família’  etc. é fiel às suas conveniências e convicções narcísicas. Infelizmente, proliferam os cabos contagiados por tais desvios psíquicos; entre nós também conquistam terreno e ganham muitas almas para as fileiras. Na casa da república a conduta dos caceteiros não se inibe de dar rédea solta a tudo o que arrasa a civilidade e dignidade.

A política é capturada por figurões que já não se dão ao trabalho de ocultar as intenções e envernizar as declarações e propostas. Que futuro augura este presente malsão? A pergunta não aflora na boca da maioria dos jovens; a inquietude é pouca para gerar uma vaga de fundo. Não há sinais do espírito crítico nas Universidades. Estudantes e docentes não se movem, por mais imundo que seja o mundo; preferem esconder-se no buraco do despercebimento. A ‘civilização do espetáculo’ triunfa em toda a linha. As instituições incumbidas de zelar pela sociedade manifestam-se sobre quase tudo, desde os maus-tratos a animais até às águas propícias ao acasalamento das baleias; nada dizem sobre o genocídio em Gaza e outras aberrações que empurram a Humanidade para a caverna do pasmo. O ambiente é desolador: os criminosos vieram para ficar, em alta e impunes.

29.07.2025
Jorge Bento